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Donaldson Gomes
Publicado em 24 de maio de 2025 às 05:00
Houve um tempo em que os governos usavam o que no jargão jornalístico se chama de “balão de ensaio”, nada mais do que a divulgação de uma possível ação para “testar” a receptividade em relação a um determinado tema. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seus dois primeiros mandatos, fez extensivo uso da estratégia. Acontece que os balões estão saindo de cena e dando lugar a anúncios, seguidos de desmentidos, principalmente na área econômica. >
O mais recente movimento errático do governo federal aconteceu em relação ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), um tributo que incide sobre diversas operações de crédito e financiamentos. Desta vez, o anúncio e o o atrás foi dado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, normalmente um dos mais cautelosos integrantes da equipe econômica da gestão petista, e, talvez por isso, um dos mais irados e próximos do mercado financeiro. >
Na última quinta-feira (dia 22), a equipe econômica do governo anunciou um aumento, voltado principalmente para empresas, em transações cambiais como compra de dólar em espécie e investimento em fundos no exterior. Entretanto, a medida atinge também qualquer cidadão que utilize o cartão de crédito para compras internacionais. Algumas horas depois, no mesmo dia, o governo revogou o IOF mais alto para aplicações em fundos nacionais fora do Brasil. Ou seja, retomou a alíquota zero para esse caso, mas ficou mantido o imposto mais alto para as compras de dólar em espécie para pessoas físicas, assim como para as remessas de dinheiro para contas no exterior. Nesses dois casos, a alíquota ou de 1,1% para 3,5%. Somente o IOF incidente em operações para investimentos de pessoas físicas não foi elevado.>
Questionado sobre isso nesta sexta-feira (23), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não considera “que é uma medida voltada para grande massa” da população. “Estamos praticando IOF menor do que o governo anterior”, comparou numa resposta com claro apelo de natureza política. “Havia brechas de escapar, essas brechas foram fechadas. Não vai permitir a sonegação”, completou.>
Após o recuo do governo, Fernando Haddad afirmou que o governo não tem problema em corrigir a rota das suas decisões. Ele itiu que o recuo aconteceu após “diálogo” com o mercado financeiro, que ele diz ser permanente. Segundo Haddad houve “ruído” sobre parte das medidas, em particular no que dizia respeito aos Juros sobre Capital Próprio (J), dividendos e remessas para o exterior. Aumentar a tributação poderia tornar o país menos atrativo à implantação de multinacionais, uma vez que estas empresas fazem constantemente remessas de capitais para seus países-sede. >
Parte do mercado interpretou o aumento do imposto como uma tentativa de desestimular investimentos no exterior, uma forma discreta de controle de capital, com o objetivo de conter a saída de dólares do país e, indiretamente, controlar o câmbio.>
“Não temos nenhum problema em corrigir rota, desde que o rumo traçado seja mantido, de reforçar o arcabouço. Vamos continuar abertos ao diálogo e contamos com a compreensão de parceiros de ir corrigindo rotas”, disse, ainda que o movimento possa ser lido como um sinal de fragilidade das medidas anunciadas. “No conjunto do anunciado, item foi revisto e penso que vai fazer bem revê-lo para evitar boataria e especulação em torno de objetivos que o governo não tem e poderia ar uma mensagem equivocada. Foram pertinentes os apontamentos feitos”, acrescentou o ministro. >
Segundo o ministro, do ponto de vista financeiro, o recuo tem um impacto reduzido. “É um impacto muito baixo. Estou falando aqui que as medidas somadas são da ordem de R$ 54 bilhões. Nós estamos falando de menos de R$ 2 bilhões em relação ao que foi revisto hoje”, calcula. Ainda assim, ele diz que o governo poderá ter que ampliar o contingenciamento das contas públicas. “O importante é que foi revisto e nós temos uma semana para enviar o decreto”, disse Haddad.>
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou nesta sexta-feira que “nunca” gostou da ideia de elevação do IOF com a finalidade de aumentar a arrecadação, para buscar o equilíbrio entre receitas e despesas federais. “Em debates anteriores, quando se discutia alternativa para perseguição da meta, eu mesmo nunca tive muita simpatia com a ideia. Não gostava da ideia”, disse durante um evento promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele rechaçou a medida como uma tentativa de controlar a taxa de câmbio. “Está claro que o objetivo ficou bastante evidente, que era fiscal, da meta de superávit. Está muito claro que era isso”, disse.>
Segundo ele, a medida não foi discutida com o Banco Central. O secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, disse aos jornalistas que ele tinha sido consultado, depois da entrevista coletiva sobre as novas regras, o que teria irritado o chefe do BC, segundo a coluna da jornalista Malu Gaspar. Galípolo teria dito a Haddad que se a Fazenda não desmentisse a informação, ele mesmo faria. Às 20h20, o ministro da Fazenda publica a seguinte mensagem no X: “Sobre as medidas fiscais anunciadas, esclareço que nenhuma delas foi negociada com o BC”.>
Ao contrário de outros movimentos de recuos recentes, como foi o caso do PIX, neste caso, o o atrás teria sido definido diretamente pela equipe econômica. Apesar disso, a movimentação foi um prato cheio para críticas ao governo. “Foi um puxadinho”, resumiu o economista André Perfeito. Ele explicou que a correção horas depois a uma imagem de falta de credibilidade. “É um prato cheio para a oposição, economia e política num caso desse são indissociáveis”, disse à Globonews.>
“A leitura é que o governo aumentou imposto e depois não segurou a pressão. Sob a ótica da comunicação é péssimo, demonstra fraqueza e suscetibilidade a pressões”, apontou a economista Carla Beni ao G1.>