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Entenda como o milho, um alimento ancestral, virou o principal ingrediente do São João

Na caso da versão do cereal que é consumida no período junino, o cultivo vem da agricultura familiar

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 14 de junho de 2025 às 05:00

O milho se tornou o principal ingrediente do São João
O milho se tornou o principal ingrediente do São João Crédito: Marina Silva/CORREIO

Muito antes de a Bahia ser a Bahia, o Nordeste ser formado e até os portugueses chegarem aqui para denominar as terras de cá como Brasil, o milho já estava. Com diferentes formas, cores e sabores, ele já fazia parte da dieta dos povos originários muito antes de ser assado na fogueira de São João.

Mas é bem possível que justamente por essas raízes tão antigas que o milho também esteja em tantos quitutes na ceia junina. Ou, ainda, que esse seja um dos motivos para ter sido alçado à posição de ‘rei’ da festa mais importante do Nordeste - com o perdão dos carnavalescos, pesquisas recentes, como o levantamento Cultura nas Capitais, de fevereiro, mostram que 78% dos brasileiros estiveram em festas juninas no ano anterior, contra 48% que tiveram alguma programação momesca.

"O milho é o grande cereal das Américas. É um produto nosso, endêmico, da nossa cultura alimentar, e que estima-se que tenha mais de sete mil anos de domesticação. É um produto nosso e, a partir dos povos originários, ou a ser parte importante da alimentação de todos os povos que aqui se estabeleceram: colonizadores, colonizados e dos povos que vieram através do processo perverso de escravização", explica o historiador Elmo Alves, professor do curso de Gastronomia da Unifacs e especialista em história da alimentação.

Assim, ele se tornou um alimento democrático, já que está na dieta de diferentes classes sociais - dos menos abastados à elite econômica. Por sua versatilidade, ele também consegue ser utilizado tanto na preparação de doces quanto na de alimentos salgados. "Também é extremamente atrativo, porque agrada paladares do mundo todo. É um produto mundialmente conhecido e consumido em larga escala", acrescenta Alves.

No caso do milho que está na mesa dos baianos no São João, contudo, há que se fazer uma ponderação: trata-se do chamado milho verde, que é diferente do milho em grãos, produzido para a indústria. Enquanto um é colhido seco e em grandes proporções, o milho verde é cultivado, principalmente, pela agricultura familiar.

"O milho colhido seco é o que a gente computa a produção de grãos e é destinado a uso humano e animal. Já o milho do São João é mais cultural da história do Nordeste brasileiro, que tem essa cultura do milho assado e cozido e das comidas típicas", diz o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), Humberto Miranda. "Esse milho normalmente é produzido por pequenos produtores de uma região bem extensa do estado, que inclui todo o litoral norte da Bahia", acrescenta.

O milho se tornou o principal ingrediente do São João
O milho se tornou o principal ingrediente do São João Crédito: Marina Silva/CORREIO

Plantio

A Bahia é o oitavo maior produtor de milho seco do país e o quinto de milho verde, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, os números são bem desiguais: enquanto o primeiro chegava a três milhões de toneladas em 2023, o milho junino teve produção de pouco mais de 23 mil toneladas em 2017 (último ano em que houve pesquisa, já que ele só é contabilizado no Censo Agropecuário).

Ainda assim, segundo Humberto Miranda, da Faeb, o estado é autossuficiente: ou seja, o milho verde produzido na Bahia atende às necessidades dos festejos juninos por aqui. Dificilmente é necessário comprar de fora. Especificamente agora, em 2025, espera-se uma produção um pouco menor do que nos outros anos, devido à estiagem no período do plantio.

"O milho do São João é plantado no mês de março. Nessa época, estávamos ando por um ‘veranico’, com boa parte do semiárido sem chover. Na região de Irecê, por exemplo, que produz bastante milho, o pessoal estava ando pela seca e não teve milho. Pode ser que tenha um pouco de dificuldade, que o preço suba um pouco pela demanda, mas nada que vá faltar milho no mercado", pontua Miranda.

O milho se tornou o principal ingrediente do São João
O milho se tornou o principal ingrediente do São João Crédito: Marina Silva/CORREIO

Ele estima que a produção tenha caído entre 5% e 8%. Foram pelo menos 200 mil hectares sem produção. "Mas não é nada que comprometa, porque hoje já temos muita irrigação. Muita gente sabe que tem uma demanda maior nesse período e planeja sua atividade para colher exatamente agora, nos primeiros dias (de junho)".

Um dos projetos de apoio a esses pequenos produtores foi a aquisição e distribuição de 70 toneladas de milho não transgênico e o lançamento de um chamamento público para reintrodução de sementes crioulas, pela Secretaria de Desenvolvimento Rural da Bahia (SDR). Sementes crioulas são aquelas que se desenvolvem naturalmente em uma localidade, mas foram selecionadas e manejadas por agricultores no ambiente de cultivo. De acordo com a SDR, essas sementes são distribuídas para a agricultura familiar.

Há, ainda, o programa Garantia-Safra, que apoia os pequenos produtores em caso de perdas por estiagem. Na safra 2024-2025, houve cerca de 330 mil adesões na Bahia. Os agricultores familiares podem receber R$ 1,2 mil nessas situações.

Religiosidade

Por ser um cereal de cultivo fácil, que se adapta fácil aos solos disponíveis no estado, o milho também se ligou à cultura e às festividades católicas, com os santos juninos. "Tem todo um ciclo voltado para os alimentos servidos nessas festividades, cultivados em um pouco antes do período, como o milho e o amendoim. Diria que o milho é o carro-chefe", avalia o historiador Elmo Alves, professor da Unifacs.

O próprio plantio está ligado a uma prática religiosa: em muitas cidades nordestinas, o período de chuva para plantar o milho é perto do dia 17 de março, quando se celebra São José. "Quando chove no dia de São José, é sinal de que teremos excelentes colheitas e um São João farto. Porque junho tem a celebração aos três santos católicos, mas não podemos esquecer de São José".

Assim, é como se o período do São João fosse também um agradecimento para comer o que a terra deu. Por isso, segundo o professor, as festividades são tão marcadas por essa culinária. É como se representasse o fortalecimento dos nordestinos do campo, que resistem às adversidades ao mesmo tempo que preservam a fé e tradições.

"Mas a gente não pode negar que essa tradição nasce na mão do colonizador, porque importamos essas festividades e esses santos católicos da cultura portuguesa. Eles são santos muito celebrados em Portugal. Óbvio que essa cultura religiosa sofre um processo de ressignificação na Bahia e no Nordeste", explica Alves.

Em Portugal, o prato principal da celebração do São João - comemorado no mesmo dia que no Brasil - é a sardinha. "No Nordeste, vão ser os produtos que temos aqui. Os itens naturais disponíveis aqui em um local são determinantes para a dieta de um povo. Isso pode ser percebido analisando o século 18, quando a tradição do São João começa a ser fortalecida", explica o historiador.

O milho se tornou o principal ingrediente do São João
O milho se tornou o principal ingrediente do São João Crédito: Marina Silva/CORREIO

Receitas

Apaixonada pelo ingrediente, a confeiteira Jeanne Garcia lançou um brunch temático que tem o milho como uma das bases. "Na confeitaria, o milho traz equilíbrio, textura, além de toda regionalidade que eu gosto de valorizar. Os clientes amam e já esperam pelo nosso bolo de milho nessa época", diz.

Milho sweet chilli de Jeanne Garcia
Milho sweet chilli de Jeanne Garcia Crédito: Pedro Mascarenhas/Divulgação

Ela uniu a influência da cozinha sa com a tradição nordestina por meio de releituras. Além do bolo, um dos destaques é o milho sweet chilli, servido com molho de alho, pimenta dedo-de-moça, parmesão e toque cítrico e o cuscuz sertanejo, com carne do sol na nata (ou a versão vegetariana com shimeji refogado). "A base sa me ensinou muito sobre técnica e precisão. Empregar essa base em receitas mais regionais eleva o respeito que tenho pelos nossos ingredientes locais e garante preparações sempre equilibradas e surpreendentes", explica.

O sabor naturalmente adocicado e a textura são aspectos que permitem diversas formas de preparo, como lembra a nutricionista Maira Medeiros, curadora gastronômica da Mairoca. A marca é especializada em quitutes saudáveis, inclusive sem glúten, lactose ou açúcar.

Menu junino da Mairoca tem quitutes a base de milho
Menu junino da Mairoca tem quitutes a base de milho Crédito: Marina Silva/CORREIO

"No período junino, essa versatilidade brilha, porque conseguimos criar desde uma canjica super tradicional até um brigadeiro gourmet, como o brigadeiro de milho brûlée, por exemplo, que temos aqui no cardápio, ando por cuscuz, bolos, tortas salgadas, cremes, caldos. O milho traz infinitas possibilidades e se transforma em qualquer receita que a criatividade permitir", explica Maira.

O cardápio junino da marca também buscou reunir a tradição e a memória afetiva da época. Para ela, trabalhar com milho é uma forma de honrar a regionalidade, pertencimento e fartura do milho, mas com as receitas inclusivas. "A demanda é altíssima nessa época! As pessoas querem matar a saudade dos sabores de infância, mas sem abrir mão da saúde e do bem-estar", acrescenta.

Para os quitutes, ela explica que compra o milho fresco, colhido no tempo certo e que tenha grãos macios e úmidos. Com essas características, o ingrediente dá mais sabor e textura. "Para algumas receitas opto por ele mais verde e, para outras, mais maduro, a depender do preparo. Valorizo muito os produtores locais — aqui na Bahia temos milho de excelente qualidade vindo de cidades do Recôncavo e da região de Feira de Santana. Sempre que possível, compro de pequenos agricultores que fazem um cultivo mais sustentável".

Canjica da Mairoca
Canjica da Mairoca Crédito: Marina Silva/CORREIO

Além disso, o milho é considerado um cereal saudável por si só. De acordo com a nutricionista clínica Ana Carolina Barbosa, ele é rico em carboidratos complexos, que fornecem energia de forma gradual. São, assim, uma ótima opção para quem tem rotina ativa ou treina. "Outro benefício são as fibras, que contribuem para o bom funcionamento do intestino e ajudam na saciedade e no controle da glicemia e do colesterol".

O milho ainda é fonte de vitamina B1 e tem ácido fólico, magnésio e fósforo, considerados essenciais para o sistema nervoso e saúde óssea. Os carotenoides (pigmentos como o amarelo do milho) protegem a saúde ocular e combatem os radicais livres. "É importante ressaltar que o equilíbrio é essencial e que é bom evitar preparações com excesso de manteiga, sal ou creme de leite para manter os benefícios", acrescenta ela, que recomenda o preparo cozido na espiga ou debulhado no vapor.

"Como o São João é uma celebração da cultura popular rural, e o milho representa essa identidade… Comer pamonha, canjica, milho assado ou cozido é uma forma de contar memórias afetivas e reforçar nossas raízes", completa.